quarta-feira, 11 de junho de 2014

km 6 - I Trail Running de Vila Pouca de Aguiar





I Trail Running de Vila Pouca de Aguiar
 

1 de junho de 2014

 
 
 
       "Se alguém te obrigar a acompanha-lo durante um quilómetro, acompanha-o durante dois."  (MT 5, 41-42)


        Havia convencido a Helena a participar neste trail. Havia feito de tudo para que ela estivesse presente na primeira corrida em que ia participar no meu concelho. Inclusive, havia sugerido á organização que lhe endereçasse um convite, ou não se tratasse da campeã nacional de corridas de montanha em veteranos femininos.
    Havia pedido aos meus pais e ao meu irmão que fizessem os possíveis por  estar presentes num dos pontos de passagem, e/ou, no final da prova. Havia feito um prognóstico sobre o meu tempo de passagem no local sugerido e o tempo em que, correndo bem a prova, poderia terminar o desafio.
     Havia informado alguns familiares residentes numa das aldeias que íamos atravessar, da minha participação na prova, e o quanto desejava vê-los aplaudir-me, ou simplesmente ver-me passar.
     E agora, aqui estou eu, perfilado junto de cerca de 200 atletas, ao lado da minha amiga Helena, camelbak ás costas, protetor solar colocado, e um pouco impaciente pelo retardar do inicio da corrida. Aguardo com grande ansiedade e espectativa o que as minhas gentes podem fazer em prol desta atividade desportiva, e o carinho e entusiasmo com que os residentes vão ou não brindar os atletas participantes. Estamos prestes a estrear-nos num  trail. É o nosso batismo em corridas desta natureza.  A partir de agora e até que o futuro nos separe, o relato será no plural, pois é com a Helena que vou fazer esta corrida. Temos um acordo de cavalheiros. Ela veio fazer o trail, prometendo eu que a acompanho, e a carrego ao colo se ela necessitar. E como ela é levezinha, e temos um ritmo de corrida muito semelhante, não vou ter dificuldades em cumprir com a minha promessa.
         Parece tudo reunido para uma excelente manhã desportiva e competitiva, com muita  diversão e quilómetros de adrenalina. O tiro de partida é dado já perto das 10 horas, com uma  temperatura bastante agradável.  O sol está radiante, mas o calor é suportável.
      Começamos a um ritmo moderado, quase na cauda do pelotão. Não queremos entrar em loucuras, esperam-nos 34  duros quilómetros, e a segunda metade da prova é muito exigente. O primeiro quilómetro é feito ainda dentro do perímetro da vila, embrenhamo-nos depois na mata que nos vai conduzir ao primeiro ponto de interesse desta corrida, o Castelo de Aguiar. Ao 2º quilómetro deparamo-nos com o primeiro azar que caiu sobre os atletas. O Caneca, um atleta conhecido da Helena, com quem almoçamos  a seguir á meia maratona de Viana do Castelo, está estendido no chão, com o joelho todo rasgado, a ser assistido ( levou 12 pontos, e ficou privado de lutar pelos primeiros lugares da prova).

Momento inicial da corrida, ainda em fila indiana.

       Disfrutamos ao máximo da beleza destes primeiros quilómetros. Caminhos estreitos, que nos obrigam a correr em fila indiana e sem grande margem para ultrapassagens. A vasta vegetação  protege-nos dos raios solares. A descontração com que fazemos a corrida permite-nos conversar, fazer poses para as fotografias, e fazer uma pequena pausa para satisfazer as necessidades fisiológicas.
          Aproximamo-nos do Castelo, e a pequena subida que o antecede, trata-se sem dúvida da  grande dificuldade da primeira fase da prova. Como já fiz o reconhecimento do percurso, alerto os atletas ao meu lado, e a Helena em particular para o momento mais difícil: Está quase, está quase, está quase! Com umas gotas mais de suor vencemos a subida e preparamo-nos para a tomada do Castelo.
           O Castelo de Aguiar, isolado e inexpugnável como um ninho de águias, é uma pequena fortificação edificada nos contrafortes da serra do Alvão.  A sua ocupação de carácter militar remonta ao período romano, altura em que se edificou um reduto defensivo protetor que ligava Chaves ( Aquae Flaviae) a Lamego (Lamecum). Foi ainda palco de um dos muitos episódios da campanha de D.Afonso Henriques em prol da independência do Condado Portucalense.
         Com 49  minutos de corrida, e depois de calcorreados 8 quilómetros,  conquistamos por fim o Castelo. É como uma pequena batalha ganha na guerra que é terminar este desafio.  O que se segue ao Castelo é uma pequena armadilha da organização. A passagem faz-se entre grandes rochas, com uma possível passagem superior, e uma outra inferior. Sem qualquer informação subimos a rocha, até nos dar-mos conta de que a passagem se faz entre as fendas das rochas. Com muitas lamúrias á mistura descemos  e fazemo-nos pequeninos para passar-mos entre elas.

Um dos belos momentos da prova.

       Os quilómetros que se seguem são de pequena dificuldade. Apenas uma ou outra subida mais difíceis, mas muito curtas. Só temos de rolar e suportar o sol que incide sobre nós, nesta fase do percurso sem vegetação frondosa que nos proteja. Registo a nossa passagem pelos 9 quilómetros sobre a 1 hora de corrida, e ainda frescos como uma alface.
       O segundo ponto de interesse está reservado para a passagem na Barragem da Falperra. Situada em plena serra do Alvão, e ladeada por uma belíssima mata, salpicadas aqui e ali de imponentes fragas que circundam todo o lago. É uma belíssima e agradável zona de lazer e de repouso, propícia ao convívio e ao contacto com a natureza. 

A prova da boa disposição com que encaramos o desafio.

        Continuamos a avançar a bom ritmo, a galgar quilómetros e a eliminar dificuldades. Com 1h45' devoramos facilmente os primeiros 16 quilómetros do percurso.  Aproximamo-nos do ponto em que se separam o trail longo, aquele que vamos seguir, e o trail curto prestes a terminar. Á passagem pelo túnel sob a A24, solto um: Já se cansaram?  Como estamos só os dois, a resposta é NÃO. Entramos na segunda fase da corrida, mais difícil, mais técnica, mais exigente, apenas reservada aos mais resistentes.  Pergunto a um voluntário da organização quando por ele passamos, quantos vão á nossa frente. Dez? Pergunto eu. Mesmo sabendo que este número está longe de corresponder á realidade da prova, o número que ele dispara surpreende-me. Uns 30. E mulheres? Nova cara de espanto. É  a segunda. Mesmo a um ritmo confortável, com muita diversão á mistura, estamos a fazer uma excelente prova. Vais ter que dividir comigo o prémio do segundo lugar! Mas, cem metros volvidos sobre estes festejos, a Helena começa a sentir-se mal. Temos que parar, tentar que ela recupere, o que vem a revelar-se inútil. A arritmia que diz sentir, teima em não passar. Um, dois, três, uma mulher, outra mulher, e mais outros tantos atletas vão passando por nós. Como bons desportistas vão oferecendo ajuda. Mas não há muito que possamos fazer, apenas descansar e esperar que a Helena se recomponha. Para que a situação seja ainda mais dramática, acontece precisamente num dos troços mais difíceis da prova. Sobe e desce constante, escalada, descidas vertiginosas, vegetação densa que obstrui o caminho. A espaços vamos trotando algumas dezenas de metros. O problema teima em não passar. Depois de uma longa descida, e antes de abordar-mos a mais difícil das subidas da zona, a Helena diz-me que não consegue continuar. A desistência parece ser irrevogável. Pede-me que continue sem ela. Por momentos deixo de pensar no compromisso que  assumi, e penso nas pessoas que aguardam ansiosamente a minha passagem. Como o seguinte ponto de reabastecimento está próximo, sigo a minha prova e mando um dos voluntário ir ter com a Helena.

Momento em que peço á organização assistência para a Helena.

     Talvez tenha cometido um grande erro em abandonar a Helena, mas a partir de agora estou por minha conta. E mais do que perder a minha parceira  de corrida, perdi a experiencia que me permitia manter um ritmo de corrida equilibrado e confortável.
      Os quilómetros que se seguem não vão ser fáceis. Depois da travessia do topo da serra do Alvão até ao topo da serra da Padrela,  segue-se um constante sobe e desce até á meta. Mas o momento que eu mais aguardo desde o inicio da prova, está prestes a acontecer. A passagem pela aldeia de Vila Meã, onde tenho família, e o local  que sugeri aos meus pais para estarem presentes. Mas a juntar á dificuldade da subida, junta-se a ausência das pessoas que esperava encontrar. Apenas o meu tio Henrique se encontra no local. Começo a ficar sem energia, sem animo, sem forças. A ausência da Helena e a ausência do incentivo da família desmotivam-me. As subidas já só as consigo fazer a caminhar. Nas descidas ainda consigo trotar um pouco. Pelo caminho encontro atletas em pior situação do que eu. O primeiro que vejo, está sentado na berma á espera de assistência. Então? Acabou?  Ficou na berma a escassos 4 quilómetros da meta. Eu vou aguentando. Devagar. Devagarinho. Com mais de 4 horas de prova nas pernas.
     Deparo-me com nova situação de dificuldade de um atleta. Encostado a um pinheiro, em clara dificuldade, vomita toda a água que ingeriu durante a prova. Apesar de também eu sentir algumas náuseas, vou resistindo a semelhante fim. A escassos 2 quilómetros da meta, abandono o sobe e desce da mata, e entro na ciclovia.
 
Fase final da corrida, antes da entrada na ciclovia.

     A partir de agora é  trotar, em terreno plano, até á tão ansiada meta. Sou ainda abordado por um atleta que me pede uma perna emprestada para chegar ao fim. Deixo de trotar e caminho algumas centenas de metros a seu lado. Conversamos um pouco, mas a partir do momento em que recomeço a correr, ele não consegue conciliar a corrida e  a conversa. Está em claras dificuldades físicas.
      Últimos metros. O momento mais desejado está a escassos 300 metros. Mas antes, tempo para a melhor das surpresas. Para o melhor dos momentos.  A minha fã número um, ao lado do meu irmão,  aplaude-me. Apanhou-me de surpresa. Não resisto, e porque ela o merece, dirijo-me á minha mãe e dispenso-lhe dois beijos. Só por este momento, valeu todo o sofrimento de 4h31'. Faço os restantes metros eufórico, mas a chegada á meta é dececionante. Não há público, não consigo terminar junto da Helena como prometido, e o tempo final não é o que estava á espera.

Já esta. Mais um desafio superado.

     E porque comigo, as dificuldades das grandes corridas não terminam após a chegada á linha de meta, as horas seguintes foram angustiantes e de grande sofrimento. Foram largas horas sem conseguir ingerir líquidos nem sólidos, e a vomitar tudo o que bebi, e o que não bebi.
      Uma nota para a organização. Estiveram quase perfeitos. Grande acompanhamento dos voluntários ao longo da prova. Número de abastecimentos ideal. O percurso apesar de duro e difícil, é belo e agradável. Não me posso pronunciar sobre o almoço convívio porque não estava presente.

P.S. Depois de abandonar a Helena, e de a organização ter chamado uma ambulância, ela recuperou e terminou a prova apenas 26 minutos depois de mim.

    Para a estatística:

    Trail número 1
    Distância: 34 km
    Tempo líquido:4h31'30'' ( a 1h34' do vencedor)
    Classificação masculinos: 60 (79)