XXXVIII 100 KM DE CANTABRIA
"Ciudad de Santander"
17 de Junho de 2017
Correr na corda bamba!
Se por si só patear durante 100 km é já um verdadeiro exercício de equilibrista, fazê-lo com o vento a ziguezaguear o corpo dos corredores converte o desafio numa loucura, numa verdadeira corda bamba. E se a exigência da prova for aumentando devido ao calor sufocante? E se lhe juntar-mos um coeficiente de humidade cerca dos 100%? E se os 5 km do circuito se tornarem eternos? Talvez com todos estes factores, as marcas individuais conseguidas não tenham sido as mais desejadas. E talvez o sofrimento de cada um tenha sido maior do que o previsto. Porque em 100 km sofre-se muito, e o grau de sofrimento é igual, quer se corra a 3', a 4', a 6', ou se caminhe apenas, a única diferença está no período de sofrimento, quanto mais rápido terminares, mais rápido termina a tua angústia, o teu martírio, a tua tortura. Depois é vê-los, de olhar perdido na distância; rostos torcidos ao compasso de um passo eterno. Ao fundo, o aplauso agradecido de um público escasso mas fiel, que não se importou de madrugar e perder um pouco de praia para animar os 114 atletas que iniciaram estes 100 km Cidade de Santander no Parque de las Llamas.
Nas corridas de ultra-fundo, ou ultra-distância, é difícil ver os atletas colados, é como se cada um preferisse levar o sofrimento em solitário e por ele a aventura transforma-se numa procissão com cada um para seu lado. Os ritmos dos melhores são demolidores, uma proeza. A espaços consigo ir na sua "roda", ou na sua sapatilha, mas já me levam algumas voltas de avanço. Se há uma virtude que distingue os atletas que se especializam neste tipo de provas é a sua constância e enorme capacidade psicológica. Não se alteram em nada, pese a que em 100 km passa uma vida. Eu apelido-os de verdadeiros tractores com sapatilhas.
O meu tractor não foi concebido para grandes correrias. Consigo percorrer largas distância, mas sempre a um ritmo moderado. Sempre a um ritmo baixo, intercalado com períodos de caminhada. A primeira parte da prova corre-me particularmente bem, e consigo dobrar o equador da mesma abaixo das 5 horas. Fi-lo sempre em ritmo de corrida, apesar de a cada parcial de 5 km, ou de cada volta, o tempo gasto subir gradualmente. Havia que estar preocupado com duas questões; a primeira e mais importante prendia-se com a hidratação, o calor sufocante alertava-nos para a importância de se fazer uma conveniente hidratação; a segunda e não menos importante visava gerir o esforço, saber que no inicio teria que correr a um ritmo mais baixo daquele a que me sentia capacitado a conseguir, para conseguir abordar a parte final sem grande sofrimento. Cem quilómetros duram uma eternidade.
A passagem pela zona da meta era sempre o momento mais aguardado e mais ansiado ao longo do traçado. Era a zona onde havia uma maior animação, era a zona onde estava o abastecimento, e após cada passagem podíamos subtrair 5 km mais aos 100 que tínhamos que percorrer. Mas os 5 km eram eternos. Esta situação criava-nos um misto de sentimentos. Se por um lado ansiava-mos chegar a esta zona para podermos refrescar-nos, comer alguma coisa e descansar um pouco, depois de lá estar-mos queríamos partir o mais rapidamente possível para uma volta mais. A ânsia de eliminar 5 km mais era maior do que o cansaço. E sentíamos a nossa mente embrenhada em cálculos matemáticos que nos davam ainda mais força para continuarmos. Faltam-me 25 km. Terminada esta volta faltam-me 20, mas terminada a seguinte já só me faltam 15. Todas estas operações, e apesar de uma volta tardar 30'/40', davam-nos vontade de continuar e terminar o mais rápido possível o sofrimento. A boa disposição com que a cada volta passava a linha de meta, valeu-me mesmo uma volta extra ao circuito. Claro que declinei esta oferta. "Vem o dorsal 29, Paulo Pereira, que nos vai dizer quantas voltas mais quer dar. Está a desfrutar tanto da prova que no final vamos oferecer-lhe uma volta mais!" Metros antes de passar os tapetes de cronometragem, e de o speaker ter acesso à informação através do ecrã, já eu o havia informado do número de voltas que me restavam. Quando faltavam quatro voltas, junto as mãos em sinal de prece, e levanto o dedo indicador. Mas não havia nada a fazer, faltavam mesmo quatro voltas.
Dezoito voltas concluídas. Faltam duas, apenas 10 quilómetros mais. Vamos Manolo, animo. "É só mais esta volta. Termino nos 70 quilómetros. Já não tenho tempo de concluir dentro do tempo limite". ( 13 horas, era o tempo limite para concluirmos a prova). Este foi um denominador comum. Dos 114 que desafiamos os 100 km, apenas 49 terminamos dentro do tempo os 100 km. O calor, a humidade, o vento, a dureza do percurso, e simples lesões, levaram ao abandono mais de metade dos participantes.
Dezanove voltas . Vou para a vigésima e última volta. A volta da consagração. A volta que tanto anseio ao longo das 11 horas já passadas. De bandeira nacional na mão vou escutando os primeiros comentários. Desde um grupo que identifica a bandeira como sendo de Itália, a um miúdo com menos de 10 anos que dispara um sonoro PORTUGAL! Muy bien! Não resisto a dizer-lhe. No quilómetro dois do circuito estava uma pequena falange de apoio dos atletas. Um grupo, que estava a participar nos 100 km em estafetas, fazia um verdadeiro piquenique, mas não se cansavam de nos animar. Paro para agradecer os incentivos. Oferecem-me cerveja, aceito mas desejava que me tivesse sido oferecida mais cedo. Tiramos uma foto de grupo junto com a bandeira, e retomo o epílogo do meu calvário.
Termino dentro dos objectivos que me propus. Abaixo das 12 horas, e tirando mais de 30 minutos ao tempo de Lousada, mas com a certeza de que com outras condições de tempo e de terreno, o tempo gasto e o grau de sofrimento teriam sido inferiores.
Dezoito voltas concluídas. Faltam duas, apenas 10 quilómetros mais. Vamos Manolo, animo. "É só mais esta volta. Termino nos 70 quilómetros. Já não tenho tempo de concluir dentro do tempo limite". ( 13 horas, era o tempo limite para concluirmos a prova). Este foi um denominador comum. Dos 114 que desafiamos os 100 km, apenas 49 terminamos dentro do tempo os 100 km. O calor, a humidade, o vento, a dureza do percurso, e simples lesões, levaram ao abandono mais de metade dos participantes.
Dezanove voltas . Vou para a vigésima e última volta. A volta da consagração. A volta que tanto anseio ao longo das 11 horas já passadas. De bandeira nacional na mão vou escutando os primeiros comentários. Desde um grupo que identifica a bandeira como sendo de Itália, a um miúdo com menos de 10 anos que dispara um sonoro PORTUGAL! Muy bien! Não resisto a dizer-lhe. No quilómetro dois do circuito estava uma pequena falange de apoio dos atletas. Um grupo, que estava a participar nos 100 km em estafetas, fazia um verdadeiro piquenique, mas não se cansavam de nos animar. Paro para agradecer os incentivos. Oferecem-me cerveja, aceito mas desejava que me tivesse sido oferecida mais cedo. Tiramos uma foto de grupo junto com a bandeira, e retomo o epílogo do meu calvário.
Termino dentro dos objectivos que me propus. Abaixo das 12 horas, e tirando mais de 30 minutos ao tempo de Lousada, mas com a certeza de que com outras condições de tempo e de terreno, o tempo gasto e o grau de sofrimento teriam sido inferiores.
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Dedico esta aventura à pessoa que mais sofre com as minhas loucuras. Mesmo dizendo que não quer saber, que não se importa, a primeira pergunta que me faz no final é sempre: Estás muito parido? Sim mocinha. Estou parido, mas feliz!