quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

km 22 - 24 HORES D'ATLETISME de BARCELONA



24 HORES D'ATLETISME de BARCELONA
 

                  19/20 de dezembro de 2015



 
                                              "No pares. Sigue. Sigue. No pares!"
 
 
Apresentação dos atletas
 
                                                                               

        Apenas mais uma crónica de uma corrida de 24 horas!

         Vais correr uma prova de 24 horas? Então mentaliza-te que não podes parar.
         Durante 24 ininterruptas horas, passe o que passe, as tuas pernas não podem parar.
         Pode chover, fazer frio ou calor. Podes estar cansado, dorido ou desmotivado, mas as tuas pernas não podem parar.
         E eu não paro!
         Sábado, 19 de dezembro de 2015. Can Dragó, Barcelona.
         E  eu não paro!
         Soa o meio dia, e começam as duas competições mais longas da jornada, as provas de 24 e de 12 horas.
         E eu não paro.
         Pelo meio outras provas se seguem. A primeira a disputar-se é  a animada prova de eliminação, onde o último de cada volta é eliminado. A prova de 6 horas, onde são batidos 2 record, um espanhol e um internacional, é a prova onde sobressai a capacidade ultra das senhoras. 10000 metros, 5000 metros, maratona e meia maratona são as restantes categorias,
         e eu não paro.
         Mesmo quando sou obrigado a caminhar mais tempo do que o previsto,
         eu não paro.
         Mesmo quando vou á minha zona das boxes, preparo uma sandes, bebo um pouco de água,
         eu não paro.
         Mesmo quando se cumprem as 6 horas de corrida e ainda não atingi os desejados 50 quilómetros de prova,
         eu não paro.
         Mesmo quando me sinto mais cansado do que nunca. Mesmo quando as pernas não correspondem á minha tentativa de correr, e se limitam a caminhar,
        eu não paro.
        Correr 24 horas é  isto...É estar durante 24 horas a correr ou a caminhar.
        Para isto se preparam os grandes ultra-craques que têm junto de si um numeroso staff de apoio, na sua maioria familiares, mas que lhes prestam assistência durante a longa jornada.
        Mas mesmo assim...
        eu não paro.
        Mesmo quando tenho necessidade de ingerir café, e abandono a pista e o recinto desportivo para comprar um aguado copo de café no bar contíguo...
        eu não paro.
        E porque muito gentilmente o senhor que me atendeu, se pontificou a levar-me o café á pista,
       eu não paro.
       Reparo que adicionou leite ao café, como é hábito em Espanha. Saliento-lhe que pedi solo,  sin leche.
        E eu não paro,
        porque me diz que na próxima volta já terá o meu café "solo".
        Mesmo que por mais duas vezes tenha que abandonar a pista e adquirir, destas vezes duplo café solo, num local onde já sou cliente habitual,
        eu não paro.
        E corro, corro, corro.
        Caminho, e corro, corro, corro.
        Mas não paro.
 
Primeiras horas de prova
 
        Rejeito a sopa de galinha, mas aceito a massa que me oferecem os simpáticos voluntários; nomeadamente o voluntário mexicano, que com divertidos cartazes ia incentivando os atletas; e vou caminhando e comendo,
        mas não paro.
        A noite trás mais frio. As horas trazem mais cansaço. A tabela classificativa trás desmotivação. Mas mesmo assim,
         eu não paro.
         Vou na volta número...não faço ideia. Já perdi a conta ás voltas que dei. Ao meu lado, o atleta mais velho do grupo. Cheio de experiência e sabedoria, vai-se lamentando por, prova após prova, vir fazendo menos quilómetros. Soma 76 anos e  provavelmente um número de quilómetros nas pernas que a memória não consegue especificar. Mas mesmo assim, e porque me diz que esta é provavelmente a sua última prova de 24 horas, ele não para....
         e eu também não.
 
Escutando a voz da experiência
 
         E não paro...
         quando sou surpreendido na pista pelo senhor do bar: Paulo, tu café. Te regalo.
         Durante algumas voltas vou pensando neste gesto. E penso, corro, caminho e penso, mas...
        não paro.
        São 2:30h de domingo. Cumpridas 14:30h de prova. A tabela classificativa que consultei antes de me dirigir  ás boxes diz-me que levo 97 quilómetros.
        Sento-me na minha cadeira, como sempre faço, mesmo que por breves instantes.
        Mas desta vez permaneço mais tempo sentado. Faço contas de cabeça. Levo concluídos menos quilómetros do que desejava para esta altura. As minhas contas dizem-me que é impossível chegar aos números que pretendia para o final da prova. Caio em tamanha letargia e...
        ...
        ...
       paro.
       Durante uma. Duas. Três. Quatro horas e meia.
       Eu paro.
       Neste intervalo de tempo faço de tudo, menos o que mais desejava...descansar e dormir. Dormir, é impossível porque esta demasiado frio. Descansar, e porque a comodidade para o fazer não existe, está fora de questão.
       Dois dos meus vizinhos passam semelhante dificuldade. Também eles cansados, desmotivados, e longe dos seus objetivos. O primeiro, um jovem atleta francês, que tentava a qualificação para o Spartathlon, está retirado da pista com uma enorme bolha no pé. O segundo, um velho conhecido, o grande amigo José Manso, faz também um mais longo período de descanso uma vez que a corrida não lhe está a sair como desejava.
      E eu paro.
      A noite está particularmente difícil de se passar. Decido-me a ir tomar um banho e a vestir roupa mais quente e confortável. Depois de o fazer, e porque não consigo permanecer sentado vendo as horas passar, faço-me de novo á pista. A caminhar muito lentamente vou completando uma e outra volta.
     Ao fim de 8 voltas de tartaruga, chego finalmente aos 100 quilómetros.
 
 
     Sete horas da manhã e começa a raiar o dia. Nova investida ás boxes para colocar de novo a roupa de corrida, e a partir daqui
     não paro.
     Á semelhança das provas de 24 horas anteriores, este é o período em que me sinto melhor. Também, fazer 24 quilómetros em 5 horas, não é nada de extraordinário. Mas
     não paro.
     E até ás 12 horas de domingo...
     eu não paro.
     Minto. Vou fazendo pequenas paragens para comer e beber. E uma paragem obrigatória mais, alguns minutos antes de soar a buzina, para colocar a bandeira nacional sobre os ombros. Mas mesmo assim, com estas pequenas paragens,
    eu não paro.
    E quando soa a buzina, e se cumprem as 24 horas do desafio...
    ...
    ...
    ...
    ...eu paro.
    Penso em tudo e mais alguma coisa. Afinal foram 24 horas onde se faz de tudo. Conversa-se, come-se, bebe-se, descansa-se. Conhecem-se adversários, fazem-se amizades. E no final, ainda sobra algum tempo para se correr. Mas é bom que aproveites esse tempo, porque no final podes lamentar-te por não teres passado mais tempo a correr do que fizeste.
    E quando soa a buzina, nada mais conta. Se estas parado, a caminhar ou a correr, já nada importa. O que importa é a pergunta que te fazes no final. Valeu a pena? E a resposta a esta pergunta já todos a sabem...
 
 

    


    

    Sejam vocês também felizes nas pequenas coisas que fazem. E se este ano já é escasso para cumprirem os vossos desejos, aproveitem o que aí vem.
     Esta vida são dois dias, e três já passaram.

                                                   FELIZ 2016!