terça-feira, 14 de junho de 2016

Km 24 12h Running de Valladolid

    




 12 HORAS RUNNING DE VALLADOLID

  11 de junho de 2016



           Porquê ?

        Estranha insistência a minha em me desafiar e me repetir em competições deste género,  cujo objectivo passa por dar voltas e mais voltas, a um curto circuito de algumas centenas de metros, junto de umas escassas dezenas de atletas.  Viver durante 10,12, 24 horas junto das mesmas pessoas. A ouvir os mesmos incentivos, as mesmas palavras de animo. Ver os mesmos rostos, as mesmas caras de dor, de sofrimento, de alegria, de dever cumprido. A ouvir os mesmos lamentos, os mesmos queixumes, as mesmas palavras de ordem. Foi assim em Vigo e Barcelona. Foi assim em Vale de Cambra e em Lousada. E foi exactamente assim em Valladolid.
         Quem experimenta sempre repete. Quem gosta, vai amar, vai desejar, vai ansiar pela próxima oportunidade de colocar à prova a sua resistência, e descobrir até onde pode ir a sua capacidade de sacrifício e de superação. 
          E porque vale a pena participar em desafios desta natureza?           E porque vale a pena fazer uma directa, e conduzir durante mais de 400 quilómetros?
          Por tudo e mais alguma coisa.
          Mas porquê? Porquê?

         Porque me acompanha o mais jovem, ambicioso, persistente, e louco ultrafundista galego. 
           Porque à nossa espera está um dos melhores e mais humildes atletas espanhóis, que apesar de ter pela frente o objectivo de ganhar a corrida, passa a noite, também ele em claro, aguardando-nos para nos oferecer um lugar onde possamos descansar durante pouco mais de uma hora.
           Porque estes desafios nos permitem descobrir novas e boas amizades. Na cidade de Zamora, um terço da participação individual  toma o pequeno almoço e parte rumo a Valladolid.
        Porque estes desafios vão muito além do carácter competitivo. A trinta minutos do início, tomamos um último café juntos.  Uns com leite, outros apenas café, mas um de nós: Vou surpreender-vos. Quero uma caña!


         Porque estas corridas suscitam grande interesse dos locais, e porque se realizam em centros de grande aglomerado populacional, os mirones são vários e muitos. Como comprova o diálogo que mantive com um deles,  que aguardava, com apenas 2 horas de prova, o término desta.
          -E isto quando termina?
          -Ás 10.
          -Da noite?
          -Sim. São 12 horas de prova.
          -Vamos tio. Hay que tener cojones. Mucho animo!
         Porque só em eventos deste género se pode encontrar uma senhora, que durante as doze horas não se cala nem pára um só segundo. Gritando e caminhando anima -nos durante toda a prova.
           -Vamos chicos. Vamos chicas.  Animo. Mucho animo.
          Recordando uma frase do género que escutei na Cidade do México ( No pares de correr, yo no paro de gritar!), a determinada altura também lhe gritei: No pares de gritar, yo no paro de correr! Naturalmente que eu parei de correr a determinado momento, mas ela nunca parou um só segundo.
           Porque só aqui podemos ver uma iniciativa solidária paralela à prova, onde deficientes, idosos e crianças, acompanhados de voluntários, vão circulando a nosso lado ao longo do percurso. Os chamados camisas azuis, dão outro colorido à prova.


           Porque só aqui se vivem momentos agradáveis como quando um miúdo, de camisa azul, para de correr e vai caminhando a meu lado:
           - Já estou cansado!
         - Como estás cansado? Eu estou a correr à
ha 9 horas e ainda não me cansei.
           - Nove horas? Chiça! Eu também já dei 14 voltas.
           - Não me mintas, catorze voltas são catorze quilómetros.
           -Si, es verdad, que las vengo contando.
           Porque me emociona o momento em que um adolescente me pergunta se vou oferecer a bandeira no final. Infelizmente tive que lhe dizer que não. Recordando os desafios em que coloquei esta mesma bandeira sobre os ombros,  a resposta só podia ser uma.
           Porque a partir de determinado momento já me sinto o mais popular dos portugueses. Todos me tratam pelo meu nome, e até o speaker carinhosamente me trata por nuestro português.
         Porque na última hora de corrida, ponho à prova a minha resistência, quando um atleta com o mesmo número de voltas que eu, me tenta alcançar. Consigo resistir durante 3 voltas, onde faço as voltas mais rápidas das 12 horas. Por fim desisto, ele é mais forte que eu. Anda, vai lá. Querias passar-me? Conseguiste. Mereces o lugar mais do que eu. Te lo mereces!


           Porque no final não há primeiro nem último. Há 28 valentes guerreiros e guerreiras. Que sofreram e lutaram. Que riram e choraram. E no final todos dão os parabéns a todos sem excepção. É das poucas provas desportivas em que os atletas se animam uns aos outros, independentemente das posições que vão ocupando. Não há competição nenhuma em que exista tanto companheirismo e amizade como nesta.
            Porque com maior ou menor dificuldade, mais depressa ou mais devagar, a correr ou a caminhar, completo um total de 92 voltas, qualquer coisa como 86 quilómetros. Números que me deixam com a certeza de dever cumprido.
        Porque uma vez mais a organização esteve irrepreensível. Nota 10. Animação, circuito excelente, com sombras em quase toda a totalidade do recorrido. Naturalmente que houve situações desagradáveis, como o pó que me incomodou e provocou muita tosse na primeira passagem, quando o grupo estava mais coeso. O abastecimento também não era o mais rico, embora a mim não faça mossa, porque me muno sempre da minha marmita.
             E pronto. São razões suficientes?
          Talvez não. Mas já em pleno bar, a celebrar com cerveja junto do clã Zamorano/gallego, me aborda um dos atletas que participou por equipas, e me pergunta: Vieste de propósito para a prova? Sou peremptório em responder. Sim. Sim. Só para isto! E mais uma vez não tenho dúvidas.......VALEU A PENA!!