terça-feira, 8 de setembro de 2015

km 21 - II 24 Horas De Vigo



II 24 HORAS DE VIGO
 

29 e 30 de agosto de 2015


 
 
                                 "Tengo que ser bueno, si tanto me animan."
                                          
                                                                     Jose Manuel Conde
                                                                                                       1º lugar nas 24 horas de Vigo 2014
          


   Coisas a fazer antes de morrer:
       Correr as 24 horas de Vigo!

         Não deixa de ser estranho que dos 18  atletas presentes na prova do ano passado, 12 deles tivéssemos repetido a façanha, mesmo que o ano passado tenhamos dito que aquela era a última vez. Mais estranho ainda o fato de, com a exceção de um deles, todos tenhamos feito mais quilómetros que o ano passado.
         Pois é, Castrelos é isto. Castrelos tem esta mística sobre nós. Castrelos é mágico, é especial, é único. E as 24 horas de Vigo vai continuar a ser a prova rainha em corridas do género. Se o ano passado a organização esteve perfeita, este ano superou-se ainda mais. Se os voluntários foram simpáticos  e atenciosos, este ano foram ainda mais. E depois, todo o clima de festa, desportivismo, companheirismo, entreajuda, amizade, dedicação, esforço, em mais nenhuma outra corrida atinge o patamar que estas 24 horas nos proporcionam. Todos estes predicados são suficientes para classificar a experiência de correr esta prova; quer seja individual ou por equipas; como uma das coisas a fazer antes de morrer? Eu não tenho dúvidas. Quando estiver prestes a morrer, e me perguntar se esta vida valeu a pena, eu saberei responder: Corri as 24 horas de Vigo. Valeu a pena viver. Corri, caminhei, comi, bebi, vomitei, gritei, incentivei, sorri, suei, chorei. Senti calor, frio, dores, sede, fome, sono, medo. Mas no final estava feliz. M.u.i.t.o feliz. Mesmo quando vertia lágrimas de felicidade, que tentava disfarçar com a bandeira que tinha comigo, estava feliz. Cansado. Destroçado. Mas f.e.l.i.z.

Obrigado Castrelos! 
#24HorasSolidáriasEmVigo


        O ano passado referi que o público de Castrelos foi tão incentivador, que lhe atribuí parte da façanha que foi alcançar a quilometragem que atingi, e referi que Castrelos também correu por mim. Este ano tocava-me a mim correr por mais alguém. Não bastava fazer os 124 km do ano passado, tinha que fazer alguns mais por uma iniciativa muito especial. A campanha #24hHorasSolidariasEmVigo, cuja receita revertia a favor de uma menina de Vila Real portadora de uma doença rara, a Joaninha, acabou por atingir um patamar de participação aceitável, cujo valor final, que era de 4.75€ por quilómetro, chegou aos 772.25€. Um total de 45 pessoas aliou-se á minha causa, e todos juntos conseguimos esta bonita soma que a Joaninha vai agradecer com toda a certeza. A todos os que se juntaram a mim, amigos, familiares e anónimos. De Portugal, Alemanha e de  Espanha. Um muito obrigado!
         A Renato Lopes, Sílvia Costa, Biobrassica, Helena Mourão, Solange Cabral, Viviana Alvelos, Mafalda Alvelos, Patrícia Duarte, Daniel Cerzón, Ana Rita, Paula Sofia, Patrícia Soeiro, Isa Ouveira, Juliana Ribeiro, Eurico Barbosa, Tó Salgado, Fátima Roxo, Michael Lopes, Daniel Sousa, Lucília Roxo, Marcelo Pereira, Tiago Machado, Rogério Félix, André Martins, Sandra Chaves, Armando Carvalho, Susana Rodrigues, Juan José, Rui Borges, A.S., Pedro Videira, Carla Susana, Silvina Coelho, Cristina Cardoso, Maria Real, Liliana Adegas, Ana Silva, Carlos Henrique, Vânia Sousa, Adélia Teixeira, Tânia Onofre, Carlos Torres, Fernando Lopes, Emília Machado, um bem haja. A Joaninha agradece.
A pequena Joaninha


      Uma corrida que tu não consegues controlar.


         Correr durante 24 horas tem esta particularidade. Nunca, em momento algum, consegues controlar a corrida. E esta falta de controle sobre ela, começa muitas horas antes. Não consegues controlar as emoções que vais sentindo. Não consegues controlar a falta de sono, de apetite, e o nervosismo que precede o tiro de partida. Não consegues controlar o ritmo alto ou baixo que vais impondo volta após volta. A cada quilómetro, a cada hora, por mais contas que faças, é sempre a corrida que te vai dizer quando deves correr e qual o ritmo, quando deves caminhar, parar, descansar, comer, beber ou desistir.
         Parece confuso partir para um desafio em que por mais contas que faças, por mais objetivos  que te vais impondo de hora a hora, estes acabem sempre por nunca corresponder ás tuas espectativas. Por isso, o melhor que tens a fazer é não subir demasiado a fasquia e ir-te impondo objetivos mais curtos, que a corrida se encarregara de ir subindo até ao soar do gongo.
         E se o objetivo de chegar aos 124 km do ano passado foi conseguido pelas 18 horas de corrida, havia que partir para novos patamares. Chegar aos 140 km de Vale de Cambra. F.e.i.t.o. Novo desafio. Chegar aos 150, a distância mínima que me havia proposto antes da corrida. A.l.c.a.n.ç.a.d.o. Depois fui somando os quilómetros extras que a corrida me proporcionou, num total de mais 7. Satisfeito? Muito satisfeito, mas com uma leve sensação de que podia ter feito mais 3 quilómetros. Três míseros quilómetros que o maldito controle que a corrida exerceu sobre mim, não me permitiu alcançar. 
Obrigado Fotografos!


     Tenho que ser bom, se tanto me apoiam e animam.

     Vamos Paulo! Lo estas haciendo muy bien! Animo campeon! Escutar isto uma vez sabe bem. Escutá-lo duas vezes sabe ainda melhor. Escutá-lo volta após volta, quilómetro após quilómetro, sabe extremamente bem. Todo este carinho e simpatia começa ainda bem antes do início do desafio, quando sou recebido de forma entusiástica e carinhosa por voluntários e organizadores.  Quando tenho a oportunidade de rever e cumprimentar adversários e amigos do ano passado. É verdade que com a grande maioria fui mantendo contato, quer através das novas redes sociais, quer revendo em provas onde nos cruzamos. Quanto aos outros, passaram-se 365 dias, mas foi como se não houvesse passado um só dia desde o último encontro. Já as palavras de incentivo, foram uma constante ao longo das 24 horas. Por vezes sentia-me mesmo incomodado por ser motivo de tantos ânimos, mas só havia uma forma de agradecer tamanha dedicação, continuar a somar quilómetros, e ser bom. Tinha obrigatoriamente de ser bom,  não me restava outro remédio.
          O aproximar do meio dia está próximo, e aqui estamos nós, prontos a reviver as mesmas emoções da primeira edição e na tentativa de nos superar-mos uma vez mais e ainda mais.
         Trinta segundos para o início da corrida, e ainda alguns atletas correm á tenda para colocar o esquecido chip. Eu sou um deles.
          Diez. Nueve. Ocho. Siete. Seis. Cinco. Cuatro. Tres. Dos. Uno. Cero. Que empiece la segunda edicion de las 24 horas de Vigo!
             A partir de agora é todos juntos e cada um por si. Uns mais rápidos, e audazes.  Outros mais lentos e cautelosos. Ora agora acompanhando e incentivando o primeiro. Ora agora acompanhando e incentivando o último.  As primeiras horas correm substancialmente bem a todos. Estamos frescos, cheios de energia, e somos ambiciosos.  Horas depois, já o cansaço se faz sentir e o calor vai fazendo os seus estragos. As pernas começam a fraquejar e o cansaço é notório. Ainda antes das 6 horas de prova completo os 50 quilómetros. Geni, amiga, atleta  e  voluntária, pergunta-me que tal estou. Até agora bem, já cheguei aos 50, mas vou demasiado rápido. Tinha razão, porque quando chego ás 9 horas de prova, o cansaço, o calor, a má ou exagerada hidratação começam a fazer-me estragos. Durante cerca de uma hora tento recuperar das já afamadas náuseas que costumo sentir. Depois de recomposto, troco completamente de roupa, visto um casaco porque está frio e regresso á pista. Corro os primeiros 200 metros e sou obrigado a retirar o casaco. O suor corre-me literalmente pela rosto abaixo. Começo  a temer estar a contas com alguma enfermidade. Mas não. A alta concentração de humidade, que segundo a organização era de 95%, causam este desconforto, apesar do ligeiro frio que se faz sentir. Até ás 14 horas de prova, quer a correr, quer a caminhar, atinjo os 100 quilómetros. Na ânsia de os alcançar, talvez tenha forçado um pouco mais o andamento, o que me obriga a nova paragem mais prolongada. Desta vez  não tenho tanta  facilidade em eliminar as náuseas, e só o consigo depois de vomitar várias vezes. Talvez tenha sido o melhor que me aconteceu, porque até ao final não voltei a sentir-me indisposto.
       A noite torna-se particularmente dolorosa e difícil de enfrentar. Não há música, o som do speaker calou-se. O pouco público resistente vai dormitando. Chega o cansaço, dores musculares, que de forma bastante dolorosa mas eficaz, são atenuadas com o bom serviço da equipa de fisioterapeutas que prestam auxilio aos atletas individuais. Preferia as dores que sinto a correr, a ser submetido a tamanha e dolorosa tortura. O sono começa a apertar. Por momentos, coloco uma mão sobre as fitas delimitadoras da pista, e vou caminhando de olhos fechados, tentando apaziguar o sono.
         Vai amanhecendo e começam a surgir os primeiros raios solares. O bom ambiente regressa a Castrelos. Volta o som ambiente, regressam os incentivos, e na pista gastam-se os últimos cartuxos. Gasta-se o que resta de força e energia. Eu sinto-me particularmente bem nesta altura. Já atingi o primeiro grande objetivo, superar os 124 km do ano passado, e os dois próximos estão a caminho. Ultrapassar os 140 de Vale de Cambra, e depois alcançar uma quilometragem entre os 150 e os 160. Apesar de correr e caminhar a espaços, os períodos de corrida são feitos com grande frescura. Estranhamente não sinto dores nem sinto as pernas cansadas.
       Última  hora de prova. A 24ª hora porque valeu todo este esforço e sacrifício. A última hora é...tudo. São todas as 23 anteriores reunidas numa só. É aquela hora onde não queres parar. Por mais cansado que estejas, por mais dores que sintas não vais querer abandonar a pista. Não vais querer perder um só minuto do entusiasmo que invade  Castrelos. Todos os aplausos e incentivos que vão crescendo minuto a minuto, e que atingem o seu clímax quando se completa a vigésima quarta hora das vinte e quatro horas de Vigo. Quando, invadido em lágrimas, e coberto pela bandeira do meu país, cruzo a meta pela 157ª vez, rodeado por todos quantos me apoiaram, incentivaram, aplaudiram e acompanharam durante 24 ininterruptas horas. Abraços, lágrimas, sorrisos, aplausos, agradecimentos. Atletas a desfalecer, extasiados, cansados, destroçados,  mas felizes. Provavelmente já a pensarem na edição de 2016. Porque esta; como se diz cá na minha terra: o que é bom acaba depressa; acabou tal como começou. Nota dez.
         Para repetir?
         Se for em Castrelos, que venha 2016, 2017, 2018...2075!


Tenho que ser bom se tanto me animam!