quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

km 15 - Maratona de Tânger



I Maratona Internacional de Tânger
 

9 de Novembro de 2014

 
 
 
      "...quando se tem um bom tema para escrever, o  resultado no papel é sempre bom."
  

                                                             KM 0, Linha de Partida
                                                
          


      Quero a minha mala!

       Passou mais de um mês sobre a aventura da minha 4ª Maratona, e só agora consigo partilhar convosco o bom ou o mau do momento.  Quando comecei a escrever no meu blogue, na minha primeira crónica, referi que não teria grandes dificuldades em escrever belos textos, quando a materia prima sobre a qual iria escrever fosse sobre belos momentos. Não quero qualificar esta minha experiência em solo Africano nem como bom, nem como mau momento, apenas dizer que foi uma aventura diferente. E depois da Cidade do México,  Madrid, e Frankfurt, esta maratona é  completamente o oposto de todas as outras em que participei.  Longe dos cerca de 15 mil participantes da maratona de Frankfurt. Longe dos cerca de um milhão de espetadores que  assistiram à prova na Cidade do México. Longe das excelentes organizações das maratonas anteriores. É verdade que se trata da primeira edição, mas foram cometidos demasiados erros. Os abastecimentos depois dos 21 km desapareceram. O trânsito após as 2:30h de corrida retomou a circulação. A classificação final é suspeita. Contei os atletas que iam à minha frente, e com alguma margem de erro, a minha classificação apontava para um lugar pelo 35º posto. No final surjo no 47º lugar. Provavelmente alguns atletas apanharam um táxi. Não me admira nada, eu só não o fiz porque não tinha uma moeda comigo, porque as dificuldades que passei após os 30 quilómetros, sugeriam que me dirigisse á zona de chegada de outra forma que não fosse a correr ou a caminhar.
      Mas este desafio parece estar destinado ao fracasso desde o primeiro momento em que pisamos  solo africano. Para a história do desafio e da viagem fica o fato de a Helena me ter acompanhado, ou de eu ter acompanhado a Helena nesta  sua aventura cheia de estreias. Desde longo a sua primeira viagem de avião, e a primeira viagem fora do continente Europeu.
      Tudo parece estar a correr bem até ao momento, em que aterramos em Tânger. A viagem e a escala em Madrid foi feita sem problemas. Descemos as escadas desde o Airbus, fazemos as primeiras fotos da praxe no minúsculo aeroporto Internacional de Tânger  e percorremos os escassos metros que nos separam do edifício principal sem recurso a mangas ou a  autocarros. Chegamos á zona de recolha das bagagens, e já as malas estão a circular no tapete. A Helena recolhe a dela, a minha não aparece. Soa o alarme. O momento que mais tenho temido ao longo de todos estes anos em que tenho calcorreado um pouco por todo o mundo, recai sobre mim. Pergunto ao funcionário presente no local se não há mais malas, e ele dispara um sonoro e italiano finito, como se fosse um dos mais comuns acontecimentos no aeroporto. Mais tarde tenho conhecimento de que é perfeitamente normal as malas não chegarem junto com os passageiros a Tânger. O infinito tempo que gastamos a preencher a ficha de reclamação, faz com que percamos também o transfer que nos deveria levar ao hotel.
      Antes de embarcar-mos nesta nossa viagem, elaborei um plano que nos permitisse usufruir ao máximo do escasso tempo que vamos passar em África. A maratona vai gastar-nos  algum tempo, mas dispomos ainda de largas horas para algumas visitas aos locais mais recomendados da cidade e arredores. Com este pequeno/grande contratempo, as restantes horas do dia de sábado, vão ser gastas a levantar o dorsal, a comprar novo equipamento desportivo, a jantar e a descansar. Na primeira tarefa acabamos  por despender mais tempo do que o desejado. Apesar de um grande número de táxis azuis circular pelas ruas (foram os táxis que nos recomendaram que apanhássemos, porque eram menos dispendiosos), não conseguimos encontrar nenhum completamente livre. Acontece que estes táxis são comunitários, ou seja, são partilhados por vários passageiros. Por fim pára um, e pedimos que nos leve a Dradeb, mais propriamente ao pavilhão de Dradeb. Por azar, o taxista apenas fala árabe. Tento explicar-lhe que queremos ir ao pavilhão de Dradeb. Ele apenas entende a palavra Dradeb, que é uma zona da cidade, e, quando já nessa zona, reduz de velocidade como que a convidar-nos a sair. Eu mando avançar, e vou repetindo Dradeb. Cansado de o ouvir perguntar se já pode parar, eu digo que sim, pois talvez encontremos nas ruas alguém que fale espanhol, francês ou inglês que nos indique o pavilhão. Mas, depois de alguns azares e ainda sentado no táxi, olho para a esquerda e vejo o pavilhão desportivo. Parece que a nossa sorte começa a mudar.
       Levantamos os dorsais, pedimos informações sobre onde comprar material desportivo, metemo-nos dentro de um novo táxi azul e rumamos ao centro da cidade. Compro o material que me faz falta para substituir o que ficou retido na mala. Umas sapatilhas, das mais baratas, calções e meias. A camisa não compro, vou usar a que foi oferecida pela organização da prova. Gastamos o que resta do final de dia para jantar e recolhemos ao hotel para descansar.

Cartaz da prova


          Allez!Allez!

         Domingo, dia do grande desafio. Despertar as 6h. Pequeno-almoço às 6.30h. Á saída do hotel outros dois atletas oferecem-nos boleia. Agradecemos e entramos para um dos milhares de Dacia que circulam nas ruas de Tânger. A viagem é curta, apenas um par de quilómetros. Depois de algum tempo em busca do guarda roupa, fazemos um breve aquecimento. Não há informação sonora, e quando todos os atletas se encaminham para a zona de saída nós acompanhamo-los. Não somos mais de 100 na zona de saída. Passa um pouco das 9 horas quando é dado o tiro de partida. Está lançado o desafio. O objetivo passa por fazer melhor do que nas maratonas anteriores, para isso conto com a experiência da Helena. A cada quilómetro que vamos eliminando, pergunto-lhe o ritmo a que vamos. Se bem se recordam, também na minha mala estava o meu relógio. Tínhamos  pensado fazer á volta de 5' o quilómetro, e nos primeiros estamos a cumprir.  Estamos sobre o km 7, e a Helena baixa o ritmo. Queixa-se de dor de burro, e pede-me que continue. Porque me sinto bem, avanço, literalmente sozinho. Á minha frente com cerca de 100 metros de avanço vai um atleta, atrás de mim vem a Helena. Até aos 10 quilómetros o trajeto foi um constante sobe e desce. Dos 10 e até aos 21 aproveito o desnível negativo para avançar mais velozmente. Na segunda metade da prova vamos fazer o percurso no sentido inverso. Adivinham-se grandes dificuldades, mas, porque o percurso assim convida, aproveito para aumentar o ritmo e rodar mesmo a 4'18'' entre os 10 e os 15 quilómetros. Durante estes quilómetros ultrapasso alguns atletas que vou incentivando com palavras  de  allez, allez! Completo a  meia maratona sem qualquer referência de tempo gasto. Pergunto a alguns voluntários presentes, mas ninguém me informa. Aproveito para me alimentar, apenas com alguma fruta que vão distribuindo. Tenho necessidade de alguns alimentos salgados e da minha água, mas estes estão algures entre Madrid e Tânger, assim espero.  Algumas centenas de metros após o retorno cruzo-me com a Helena. 1:45h diz-me depois de lhe perguntar o tempo. Estamos a cumprir com o objetivo. Um atleta informa-me que estou na 33ª posição. Já havia tentado o mesmo exercício após cruzar-me com os atletas á minha frente, mas perdi-me nas contas. Se até aos 21 o percurso era a descer, agora é a subir, e o vento forte do Atlântico está agora de frente. Apesar das dificuldades consigo ainda chegar á 30ª posição após passar por mais 3 atletas. Para dificultar ainda mais, os abastecimentos desapareceram, só por volta dos 30 quilómetros, um carro da organização aparece a  distribuir água ao longo do percurso.

A única foto da corrida, retirada de um vídeo promocional do evento.

       Últimos 10 quilómetros do desafio e estou incapaz de dar um passo mais que seja. A larga ausência de hidratação parece ter-me provocado sérios problemas. Sinto náuseas, paro para vomitar, o trânsito, estranhamente, retoma a circulação. Perco-me numa rotunda, e sou alertado por um condutor que me indica a direção correta. Um a um, os atletas que fui ultrapassando numa fase mais vigorosa da minha prova, vão passando por mim. Também a Helena, e precisamente no mesmo local onde a abandonei, pelo quilometro 7, passa por mim. Ainda tento acompanhar o seu ritmo, mas sou incapaz. Faço uma paragem mais longa, e vomito uma e outra vez a escassos 2 quilómetros do fim. Um carro da polícia para, e um militar oferece-me ajuda. Agradeço a água que me dá e a ajuda, mas digo que com alguns minutos de pausa me recomponho. Até á linha de meta a tarefa torna-se penosa, sofrível, mas passo a passo, trote a trote avanço em direção á linha de chegada, onde a Helena aplaude e aguarda a minha chegada. Dispenso um olhar fugaz ao relógio, e após 4h05' de prova, consigo finalmente ter acesso ao meu tempo.
       Termino sem a euforia habitual. Termino sem a satisfação de outros desafios. Termino a repetir comigo mesmo que nunca mais me meto noutra. É o sentimento habitual que me provocam os desafios menos conseguidos.
        No regresso ao hotel prolongamos o sofrimento da prova. A Helena tem cãibras e é ajudada por um marroquino porque eu sou incapaz de a auxiliar pois estou a contas com novos vómitos, que se prolongam pela tarde  durante um par de horas.


Parte do percurso plano junto á saída e chegada da prova

        
        Depois de me recompor, viajamos até ao aeroporto, onde recolho a minha tão desejada mala. O taxista que nos transporta revela-se um autêntico guia turístico, e com o seu auxilio conseguimos percorrer e conhecer alguns dos locais que tínhamos pensado visitar.
          Foi uma viagem relâmpago a Tânger, onde nem tudo correu bem. Onde os azares se sobrepuseram aos momentos de sorte, mas onde a experiência vai ficar para sempre na nossa memória, quer pelos bons, quer pelos maus momentos. Para regressar a Tânger? Sim, com toda a certeza. Para correr a maratona? Mais de um mês após a prova, a resposta é diferente da que daria no dia da prova. Sim, gostava de repetir.

Medina de Tânger


Para a estatística:

      Maratona número 4
      Tempo líquido (chip): 4h05'10''
      Classificação geral: 46 (63)
     


     Até já!

       

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