domingo, 13 de julho de 2014

Km 8 - 1º Trilhos do Marão



1º Trilhos do Marão
VIII Campeonato de Portugal FPME de corrida em montanha
 

6 de julho de 2014

 
 
 
        "Fui para os bosques para viver livremente, para sugar o tutano da vida. Para aniquilar tudo o que não era vida, e para, quando morrer, não descobrir que não vivi."
                                                                        Thoreau


    O ditador, S. Pedro, e nós!

     Chove copiosamente. A corrida é adiada em 30 minutos na  esperanças de que as condições climáticas possam melhorar. Alguns atletas já desistiram de participar. O Adriano é um deles: "Corridas há muitas, para a semana já há outra!" Eu congratulo-me. Melhor, é um lugar que fico mais á frente. Mas, quase toda a totalidade dos 100 atletas inscritos não nos demovemos do propósito de enfrentar  e levar a melhor sobre o árduo e difícil desafio que temos diante de nós.
       Conscientes das dificuldades  que vamos enfrentar, cada metro a percorrer é sempre uma nova surpresa. Uma subida cada vez mais íngreme, uma descida cada metro mais vertiginosa. Uma escarpa que temos que escalar, um tronco que temos que saltar.
        Debaixo de um verdadeiro temporal, dá-se início á prova. Após as primeiras centenas de metros, vai-se formando um autêntico cordão humano, com os atletas mais rápidos, naturalmente na frente da corrida. Nós mante-mo-nos no último terço do cordão ( eu e a Helena). Após os dois primeiros quilómetros a corrida começa a endurecer. Vão ser subidas constantes e íngremes até aos dez quilómetros do alto do Marão, onde vamos atingir os 1415 metros de altitude. Consigo ir avançando metro a metro, trote a trote sem parar. A Helena vem atrás de mim. Vai avançando no meu encalço de forma mais lenta e sofrível. A espaços, reduzo a velocidade e espero por ela. Em zonas mais íngremes e acidentadas, coloco-me ao lado dela e apoio-a na  sua árdua tarefa. Num momento em que ela vai em desequilíbrio seguro-lhe no braço e evito que caia. Uma atleta que vem atrás de nós, entende o gesto como um benefício da minha parte em prol de uma adversária. De forma irónica pergunta: Está tudo bem? Mais tarde vou ter oportunidade de a ajudar também a ela.  "Perdoa aos teus inimigos, nada os irrita tanto".
        Depois de três quilómetros sempre a subir, chegamos a um troço de cerca de dois quilómetros mais acessíveis. Mas apesar de ser em sentido descendente, a atenção da nossa parte tem que ser redobrada. A neblina e a chuva tornam a visibilidade  reduzida e temos que prestar muita atenção não só  á sinalização que nos indica o caminho, mas também ao piso que é muito acidentado e perigoso. Apesar de termos os sentidos focados no nosso propósito, aqui e ali temos oportunidade de observar magníficos e belos postais ilustrados. Paisagens de cortar a respiração. Devíamos ter trazido a lancheira e fazíamos aqui um piquenique. Sugiro. Mas o tempo não está propício para piqueniques.
      Chegamos a um dos pontos mais radicais do percurso. São apenas 70 metros de escalada. Os primeiros metros são feitos usando uma escada metálica de seis ou  sete degraus.  Nos restantes, usamos as raízes e os troncos das plantas mais robustas como corrimão. Os degraus, são rochas que a natureza colocou no local para nos ajudar na subida.
      Continua a chover com intensidade. Em alguns locais, a água  que corre pelos caminhos chega-nos aos tornozelos. Num momento em que a chuva é mais abundante, abro os braços e grito: Ah! Chuvinha boa!  Já a Helena faz uma prece divina: "Vá lá S. Pedro,  já chega. Tem pena de  nós."  Chamem-lhe milagre ou outra coisa qualquer, mas desde as palavras da Helena, e durante alguns minutos, para de chover completamente. Este período coincide com a nossa chegada e passagem pelo quilometro 10, instalado no ponto mais elevado da prova, o alto do Marão com 1415 metros de altitude.    
Alto do Marão, 1415 metros de altitude.

       Vencemos a primeira metade e a mais difícil da prova gastando 1h35'. A partir de agora, o percurso é quase na sua totalidade em sentido descendente, mas muito perigoso. Prova disso é a nossa passagem por um sector entre o quilómetro 11 e o 12. No posto de abastecimento anterior, os voluntários alertam-nos para a perigosidade deste quilómetro. Alcançamos o lugar mais perigoso, que compreende uma descida vertiginosa de cerca de 100 metros, onde é aconselhável descer de marcha atrás, usando todos os possíveis apoios para nos darem segurança e ajudarem e facilitarem a descida. Já em plena descida está a mesma atleta que alguns quilómetros atrás nos chamou á atenção quando prestei ajuda á Helena. Está completamente histérica, a gritar para que ninguém se aproxime nem a empurre. Está completamente imóvel e fora de si. Digo-lhe para não se mexer, que me  vou aproximar e ajudá-la na descida. Agora, á frente dela, vamos descendo passo a passo, com o máximo de cuidado e precaução. As rochas estão escorregadias, o caminho enlameado, e a vegetação rasteira está molhada e perigosa. Vamos usando, uma vez mais, os troncos das plantas mais robustas e as raízes para nos agarrar-mos durante  a descida. A meio da descida, parece mais calma, e já é ela que estranhamente me vai dando indicações de como devo descer. Quando reparo que já não precisa de ajuda, apresso-me a chegar ao fim da ravina, deixando para trás, além de dita atleta, uma outra amiga da Helena e a própria. Vêm em animada cavaqueira. Vamos lá, menos conversa e mais corrida! É o que dá correr com mulheres! "Saíste-me cá um ditador!" Diz-me uma delas. Recebo o elogio com o mesmo espírito de brincadeira com que proferi a minha frase. 
Marão

      Antes de iniciarmos a prova tínhamos apenas como principal objetivo terminar a corrida. A partir de agora, reformulamos os nossos objetivos. Queremos terminar o desafio á frente desta nossa adversária. Numa situação em que estamos mais isolados brinco: Devia tê-la empurrado! Ups! Oh, desculpa, foi sem querer! Apesar do cansaço não resistimos a umas estridentes gargalhadas. Vai-se mantendo colada a nós durante alguns quilómetros. Mas depois de algumas subidas, não resiste ao nosso ritmo, e acaba por ficar para trás.
       Estamos finalmente sós. Por momentos a  chuva dá tréguas. A espaços o sol parece querer brilhar. Continuo a sentir-me muito confortável com o ritmo a que vamos avançando. No último posto de abastecimento, os voluntários vão dividindo entre si fatias de queijo, acompanhadas de cerveja. Peço para mim  também uma super bock. Apenas me oferecem queijo, que rejeito, e água da qual bebo pequenos tragos . Os três quilómetros finais são já nossos conhecidos. No sentido ascendente foram os primeiros da prova. Agora são bem mais fáceis de fazer, pois são em sentido descendente. Curioso é o facto de ter sido num dos pontos de passagem deste sector que um grande número de atletas se perdeu. Acontece também connosco, mas descobrimos bem cedo o nosso erro e voltamos para trás cerca de 50 metros em busca da sinalização, e verificamos que é demasiado deficiente no local, mas facilmente retomamos o caminho correto .
        Está quase no final a nossa aventura. Posso ficar á tua frente? Claro que a Helena não diz que não. Afinal tanto faz um lugar á frente ou atrás, quer para ela, quer para mim.  Os últimos 200 metros são a subir. A Helena apresenta uma maior fadiga, e consigo afastar-me e chegar primeiro á meta. Viro-me e aplaudo a sua chegada, afinal é ela a campeã. Também campeão é o João Gonçalves ( sim, sim; esse mesmo que na Régua fazia o aquecimento quando a corrida já havia começado á 10 minutos) com quem habitualmente partilho as deslocações para as corridas. Pouco habituado a corridas desta natureza, mas a provar que são provas onde se sente mais á vontade, ficou na 12ª posição da geral, e no 1º lugar do escalão M50. De entre 84 atletas que concluem a prova, na sua maioria especialistas neste tipo de desafios, termino os 23 quilómetros  na 64ª posição, gastando cerca de 3 horas e a  1 hora do vencedor.
Marão

        Foram 3 horas de corrida. Cerca de vinte e três quilómetros. Algum cansaço e sofrimento. Água até ao tutano, e as sapatilhas a pesarem três vezes mais. Muita lama e algum frio, que não é comum em pleno mês de julho. Mas em compensação houve adrenalina até mais não. Houve muita diversão e prazer. Tivemos a oportunidade de correr em locais belíssimos, ver paisagens de cortar a respiração e disfrutar do que mais belo e aprazível a natureza tem para nos ofertar. E somos de facto uns privilegiados por podermos usufruir destes agradáveis momentos.


     *Devido á não existência de fotos da prova, recolhi algumas do Marão para ilustrar a minha crónica.


      Para a estatística:

      Trilhos do Marão 22.4km
    Corrida de montanha número 3 (a 1ª foi em 2012 em   Mogadouro a 2ª em 2013 aquando da subida á Sr. da Graça) 
      Tempo líquido: 3h03' ( a 1h03' do vencedor)
      Classificação geral: 64 (84)


 
       Até já!

       
  

       


 

1 comentário:

  1. Da Fernanda e do Carlos
    Paulo:
    Um abraço.
    Mais uma vez provaste que é o acreditar que nos leva a caminhos, lugares e sonhos inimagináveis! A tua força anda ligada à distância e demonstras um dinamismo e coragem que te permitem alcançar objetivos e realizar sonhos de um atleta de muita fibra!
    Parabéns por mais uma etapa alcançada!
    Que venha a próxima!
    Abraço da
    Fernanda e do Carlos

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