quinta-feira, 25 de setembro de 2014

km 13 - 24 Horas de Portugal



24 HORAS DE PORTUGAL
Vale de Cambra
 

20 e 21 de setembro de 2014

 
 
 
                                               "...
                                                Amanece  tan pronto
                                                y yo estoy tan solo
                                                y no me arrepiento de lo de ayer.
                                                Si, las estrellas te iluminan
                                                y te sirven de guia
                                                te sientes tan fuerte
                                                que piensas
                                                que nadie te puede tocar.
                                              
                                                Las distancias se hacen cortas
                                                pasan rápidas las horas
                                                y este cuarto no para de menguar
                                                ..."

                                                             Maldito duende, Heroes del silencio
                                                
          


      O meu banho público e o pódio!

      São 4,55h da manhã. Aproximo-me das 17 horas de prova, e as últimas horas, a caminhar,  tenho passado a somar quilómetros enquanto alguns adversários estão a dormir. Desde as 12 horas que tenho sentido fortes dores nas pernas que vão saltando de um local para outro, e que me impedem de correr. Começo a pagar a fatura da prova de Vigo, quando passaram  apenas 3 semanas do evento. De mp3 e auriculares nos ouvidos, vou afastando a solidão e o medo nesta noite fria. A música que escuto com mais atenção vem mesmo a propósito. A minha segunda banda preferida, apenas superada pelos U2, toca Maldito Duende. Olho para trás e não vejo ninguém. Para a frente e para o outro lado da pista, e nada. Avanço como se fosse o homem mais forte do mundo, apesar de algumas zonas mais obscuras da pista me provocarem calafrios. Obrigado, esta zona é um bocado fantasmagórica. Digo, quando acompanhado da Carla André num desses locais, e ela saca de uma lanterna. A fase noturna da prova é feita quase sempre em solitário. Há pouca gente na longa pista, e os ritmos são diferentes. Assim, dá para pensar em tudo e mais alguma coisa. E pensar sobretudo se foi ou não boa ideia fazer duas corridas de 24 horas num tão curto espaço de tempo. Mas, apesar de me ir arrastando na pista, de sentir fortes dores, de já ter suportado o calor abrasador da tarde e o frio da noite, depois de já ter feito o meu banho público mesmo sem ter sido nomeado e depois de ter vencido náuseas e vómitos, no me arrepiento de lo de ayer.


       Até esta altura da prova já contabilizo 105 quilómetros. Para trás ficam algumas horas de grande vigor, as iniciais, onde fui somando voltas atrás de voltas a um ritmo de 6/7 minutos o quilómetro.  Estrategicamente introduzo voltas a caminhar após largos períodos de corrida, e faço constantes paragens na tenda para me hidratar, alimentar, ler as mensagens de alguns amigos, e matar algumas formigas. O ambiente na pista  começa a tornar-se saudável e amigável. Os atletas vão-se conhecendo, fazem-se novos amigos, dão-se conselhos e recomendações e  afasta-se a rivalidade que era de esperar.  Quando atinjo os 39 quilómetros, ás 4h23' de corrida, e porque começo a sentir ligeiras náuseas e vómitos, faço uma primeira pausa mais longa de cerca de 30 minutos.  A partir daqui o meu ritmo altera-se, e as paragens tornam-se mais longas. E sempre que tento dar duas voltas seguidas, a fase final da segunda volta é já em ritmo lento, de caminhada.
      A meio da tarde mantenho uma posição na tabela classificativa perto do top 10, apesar de não fazer parte dos meus objetivos algum lugar em concreto, apenas tentar um quilometro mais que em Vigo. 
      Perto das oito da noite, tenho já 60 quilómetros somados, e todos os atletas em pista temos oportunidade de fazer o nosso banho público. Provavelmente sem sermos nomeados. Abate-se sobre nós um forte temporal. Muita chuva. Muita e fria, demasiado fria. Com algum granizo á mistura. Dentro dos parâmetros exigidos pelo banho público, o tal banho gelado. E os meus nomeados são...
       Para o início da noite estão guardadas as surpresas. Primeiro, uma meia surpresa porque já estava á espera,  vejo a Helena e o Adriano que vieram  para me apoiar. Aproveito a sua presença para fazer uma pausa para comer alguma coisa quente. Como uma, duas, três deliciosas sopas disponibilizadas pela organização. Apesar de haver um leque mais variado de pratos e outros alimentos ao nosso dispor, apenas consigo ingerir sopa. Depois de me deixarem, e porque amanhã também eles têm uma dura prova de montanha, faço-me de novo á pista, e sou verdadeiramente surpreendido por quatro pessoas que me aguardam junto ao pórtico de meta. A Juliana, a Viviana, o Eurico e o Pedro surpreendem-me. Creio que surpreendem toda a gente, porque a animação da prova aumenta consideravelmente. Não se limitam a apoiar-me a mim, mas a todos os atletas em geral, que o diga o José Capela.
       Quando me deixam, vão muito provavelmente com a ideia de que abandonaram um amigo cansado, esgotado, derrotado, que tentava adiar o inevitável: a desistência. Certamente acertaram em alguns pontos, menos no derrotado. E desistir, NUNCA.


         Meia noite. A meio do desafio.  Doze horas concluídas. 81 quilómetros contabilizados. A partir daqui tudo é mais difícil. Começa a verdadeira competição. O cansaço começa-se a sentir. As forças começam a escassear. Frio, náuseas, cansaço, enjoos, dores, solidão, sono, fome, sede. Tudo conjugado, fará com que a noite se torne penosa e sofrível. Durante o dia a pista esteve mais animada, porque havia atletas das 3 horas em prova, porque havia música junto ao pórtico de meta, e porque em determinado momento da prova, uma procissão próxima do parque, nos oferecia música litúrgica.  Na fase noturna da prova avanço praticamente sem pausas longas. As primeiras horas da madrugada faço a correr, depois, porque as dores não me permitem, e porque o cansaço e o sono se fazem sentir, faço a caminhar. Quando o dia começa a clarear, conto já com 115 quilómetros. A 5 horas do final ocupo a 7ª posição, mas estou apenas a 10 quilómetros de atingir a minha primeira meta. Basta-me uma volta por hora, e objetivo cumprido. Desconfortável com as fortes dores que sinto, tomo um analgésico, e uso um spray que a Carla me oferece para passar nas zonas mais dolorosas. Não sei qual o fármaco que faz mais efeito, mas entre as 8h e as 9h30' dou 6 voltas á pista a uma média de 7/8' o quilómetro sem dores. Nesta fase, ás 8h41' ultrapasso os 124 quilómetros de Vigo. Mas, quando passa o efeito das drogas, as dores regressam ainda com mais intensidade. Faltam 2h30' e não aguento mais. Com mais força mental do que física, vou-me arrastando  por mais quatro voltas. Alguns atletas recomendam-me que desista, outros vão-me animando. A Flor Madureira é incansável nesta fase final, só falta mesmo que me leve ao colo. Também um ciclista que passa por mim na última volta, se oferece para me dar boleia. Não vale a pena fazer batota agora. Faltam 10 minutos e 50 metros para o final. Esgotado deito-me sobre a relva. "Se me deito, depois não me levanto", diz a campeã feminina.  Outros atletas aguardam o passar dos minutos. Alguns ainda frescos arriscam uma volta mais. Está quase a soar o gongo. Levanto-me e aproximo-me da meta. Começo a emocionar-me, e sem pensar em nada em particular, veem-me lágrimas aos olhos. "Calma, calma, já está". Segreda-me alguém ao ouvido.
      Soa o gongo. Levanto os braços e passo a linha da meta. Sinto-me o louco mais louco do mundo. Se, à um mês atrás, fazer uma prova de 24 horas era uma loucura, fazer duas num espaço de 3 semanas é loucura a dobrar. Internem-me por favor, mas deixem-me correr.

24 horas depois


      Situação inédita nas minhas aventuras, estava reservada para esta prova. Uma subida ao pódio. E que subida...Nem sabia muito bem como me comportar. Talvez devesse pôr-me aos saltos, mas a verdade é que não podia, não conseguia. E afinal, não era um primeiro lugar, apenas o segundo no escalão.



      Um agradecimento especial á organização, nota dez e obrigado por nos terem proporcionado estas 24 horas de convívio, competição e adrenalina. Um agradecimento aos restantes atletas por deixarem que corra a seu lado, e pelas palavras de animo.
         Uma grande felicitação ao vencedor Andrés Vazquez. Que máquina, fez 96.6 quilómetros. Desculpe-me Andrés, mas o mesmo número de  quilómetros tem que ser dividido pela sua esposa. Que dedicação. Que amor. Que equipa. Esteve 24 ininterruptas horas a prestar assistência ao grande vencedor. 193 Quilómetros somou a dupla.
         Uma grande felicitação para a vencedora feminina, Carla André. André, Andrés. Cá para mim isto estava combinado. Somou 145 quilómetros, e apenas cinco homens ficaram á sua frente. Vou-te confessar. Também tentei ficar á tua frente, mas sempre tive muito medo de correr em algumas zonas da pista, sozinho e durante a noite. Muito obrigado pelos bons momentos de corrida.

Na companhia do José Manso

         Vinha com vontade de esquecer a má prova de Vigo, mas uma vez mais o estomago acaba por atraiçoá-lo. Passou mais tempo a dormir do que em pista, mas enquanto esteve em pista, preocupou-se em falar com os outros atletas. Conhecer, fazer amigos, dar conselhos, incentivar, animar. Um bem haja pela tua presença na nossa prova José. E desculpa por não te ter feito companhia enquanto dormias. Mas foi muito bom voltar a correr a teu lado. Ao mais humilde dos atletas, ao grande campeão José Manso, um muito obrigado em nome de todos.

       Estou convencido de que a satisfação foi total. E que todos os presentes pensam voltar na próxima edição. Por isso apontem o meu nome. Quero juntar-me á família 24 horas de Portugal.

   P.S. Não traduzi o texto da música dos Heroes del Silencio, porque estou convencido que todos sabem um pouco de espanhol.

CLASSIFICAÇÃO DOS 23 HERÓIS


       

        Até já!
      



 

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